sábado, 23 de maio de 2009

Angústia

Oh, a angústia invencível que me prostra invade e me devora ...
(Poema de JG de Araujo Jorge, Cânticos – 1949)


Tinha uns três anos. Talvez quatro. Acordei numa cama de casal, achei-a muito grande; um feixe de luz do sol atravessava o vidro da janela e formava um prisma multicor em minha direção. Tentei apanhá-lo. Minhas mãozinhas atravessavam-no sem contudo apreendê-lo. Desisti da captura. Olhei ao redor não reconheci aquele ambiente, claro, amplo e silencioso, e estava sozinha. Senti uma inquietação dentro de mim, era como se tivesse acabado de surgir na terra, com um monte de perguntas que eu não sabia formular..

Minha mãe se aproximou sorrindo, sua presença não me acalmou, não dissipou minhas inquietações...Quem sou eu? Na verdade não fiz a pergunta, mas o sentimento de angústia que senti naquela manhã, nunca mais saiu de mim.

Guardei esse momento na minha mente, e as vezes tento reconstruí-lo e explica-lo. Por quê a impressão que não conhecia aquela casa, aquela quarto, e aquela cama? Será que estavámos hospedadas em casa de amigos, parentes, ou mesmo em um hotel? Será que eu realmente não conhecia aquele ambiente, e lá estava pela primeira vez?

E por quê aquele sentimento que era meu primeiro dia no planeta terra, e portanto, era a primeira vez que via aquela mulher que dizia: mamãe vai te dar um leitinho. Eu não tinha nenhuma lembrança anterior, uma página de papel em branco onde seria escrita minha história...

Alguém poderia questionar: por quê você não pergunta a sua mãe? Não posso.Ela morreu quando eu tinha seis anos.

Ah, a luz multicor do prisma ainda me encanta, e tal qual quando era criança atravesso minhas mãos e tento apreendê-la. Em vão.

A felicidade é como a luz colorida de um prisma, você pode vê-la, observar suas múltiplas cores, admirar-se, gozar dela por breves momentos. Mas depois ela se vai... Igual a um feixe de luz você jamais poderá apreendê-la!

Roselee Salles


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