sábado, 23 de maio de 2009
Com mil perdões Marcel, eu também ando em busca do tempo perdido, embora saiba que jamais o encontrarei. Mesmo assim tenho vivido em dois mundos: interior, graças a uma série de reminiscências, e mundo exterior, graças a contemplação no espelho do meu rosto envelhecido .
....
Acordo, encho um copo com água, pego meu remédio para hipertensão, tomo um gole de água e não me lembro se tomei ou não a capsula do bendito remédio. Volto ao quarto para pegar meus óculos, no meio do corredor desisto, é que não lembro mesmo o que ia buscar no quarto.Volto ao quarto, acho que era a Revista Veja dessa Semana que eu ia pegar. Pego a revista e como não consigo ler sem óculos, lembro-me que eram os óculos o objetivo primeiro da minha incursão ao quarto.
Engraçado como minhas filhas (que têm menos da metade da minha idade) vivem me perguntando nomes e confirmação de fatos que ocorreram no passado, e eu quase sempre me lembro.
- Mãe como era o nome da menina rica daquela novela Parque de Diversão.
- O nome da menina é Maria Joaquina e o nome da Novela é Carrossel.
- Ai, como eu tenho saudade da minha infância, da Escola....
- A Escola, esta sim, era Escola Parque.
- Lembra mãe do primeiro livro que li...
- Claro que lembro: De onde vem os bêbes.
- Eu com cinco anos já queria saber de onde vinham os bêbes?
- Não, você queria saber o que era "camisinha", o que era AIDS.
Quanto mais antiga a informação, mais precisa a minha resposta. Porém, mais interessantes são as lembranças que acontecem espontaneamente. Pois é, as vezes uma frase, um som , um odor me fazem viajar na máquina do tempo. Não, não é para o futuro que viajo, e para o passado, para um tempo distante. O pior é que tem acontecido com mais freqüencia do que eu poderia desejar.
Hoje, não sei nem porquê , comecei timidamente a cantarolar uma velha canção, depois já confiante cantei todinha, não esqueci nem uma palavrinha!!!!.
Eis a canção, velha canção, certamente tem mais de cinqüenta anos:
Quero beijar-te as mãos
Minha querida
Senta junto de mim
Vem, por favor
És o maior enlevo
Da minha vida
És o reflorir do meu amor
Sinto nesta ansiedade
Que minha alma invade
Que me faz sofrer
A luz de um divinal querer
Eterna glória de viver
Se tu me quiseres tanto
Quanto eu que vivo
Para te adorar
Será um mundo de esplendor
O nosso amor
Amor, nosso amor.
Enquanto cantava aconteceu um flash back: me ví e a minha prima da mesma idade, numa sala com minha mãe e outros adultos; cantávamos, eu a minha prima, a canção acima. Os adultos se divertiam com a apresentação musical. Alguém comentou que era muito raro decorar palavras tão difíceis para crianças de quatro anos.
Ah, eu tinha quatro anos...
Meu medo é na próxima "viagem" ir para um tempo tão remoto, tão remoto, que me impeça de achar o caminho de volta....
Só o Dr Sig prá explicar...
Roselee Salles
Sociedade Secreta (conto minimalista)
A explicação era dada por Seu Né: eles, foram eles...
- Quem Seu Né, e por quê?
- Eles querem me matar, eu revelei o segredo.
Havia noites em que seu Né saia sorrateiramente pelos fundos da casa, e só muito horas depois era encontrado na caatinga em cima de arvores.
- Por quê, Seu Né, o Sr. dormiu em cima de uma arvore?
- Estou fugindo deles. Eles querem me matar... eu revelei o segredo!
Pobre Né, diziam as pessoas, talvez a manipulação com pólvora e e outras substancias afetaram seu juízo.
- Seu Né estava sendo medicado, mas mesmo assim sucumbiu. Antes porém de dar seu último suspira confessa: Foram eles, eles a Ma...
- Mafia?
- Não, a Má......
-A Matula?
- A Máaaaaa....
- Quem seu Né? diz o aflito interlocutor.
- A Malária.
Oh, a angústia invencível que me prostra invade e me devora ...
(Poema de JG de Araujo Jorge, Cânticos – 1949)
A felicidade é como a luz colorida de um prisma, você pode vê-la, observar suas múltiplas cores, admirar-se, gozar dela por breves momentos. Mas depois ela se vai... Igual a um feixe de luz você jamais poderá apreendê-la!
Roselee Salles
terça-feira, 28 de abril de 2009
Mãos de dama
sábado, 23 de agosto de 2008
Agnósticos têm pés de barro...
“Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido” (1 Co 13:12).
Seu Téo não acreditava em Deus, e gostava de falar sobre isso. Como prova de sua convicção repetia invariavelmente: alguém já viu Deus, ouviu sua voz, tocou nele?
Alguns teistas replicavam que a lua, as estrelas, o mar,o sol, a chuva,os dias que se sucedem, o universo, o desabrochar de uma flor,são provas da existência de Deus.
Seu Téo contra argumentava, eu acredito na lua, nas estrelas, no mar, na chuva porque os vejo, ou toco, ou sinto seu cheiro...,e o universo nasceu de uma grande explosão, os dias se sucedem por causa do movimento da terra, o próprio homem é resultado da evolução das especies.Eu em outras eras fui macaco, um tal de Darwin explica isso muito bem...
Todas as manhãs ocorriam tais embates, no local de trabalho de seu Téo - uma sapataria, onde ele confeccionava alpargatas e botinas. Diga-se de passagem, que sua produtividade não era abalada pelos debates, de cabeça baixa enquanto cortava, costura suas peças, ou batia pregos, Seu Téo discorria mansamente. E que fique claro, Seu Téo era muito educado e inteligente, tinha estudado em colégio de padres. Na sua modesta casa tinha num canto da sala uma estante com livros amarelecidos pelo tempo, era neles que seu Téo buscava apoio para sua descrença.
Aquele local de trabalho e de debates era frequentado por três grandes amigos de seu Téo: um crente fervoroso, um espirita, e um terceiro que não sabemos, ou identificamos, seu credo, creio que era um cético, pois apenas ria-se com o canto dos lábios, ora meneava a cabeça em sinal de aprovação ou de desaprovação.
Eu tinha , então nove anos, e vi Seu Téo sendo amparado por seus amigos, e se lamuriando pelo tiro de raspão que levara no pé.
Fiquei dias e dias a pensar no fato. Se ele acreditasse em Deus, será que desacreditaria ao levar um tiro de raspão? E, se em vez de ser no pé, fosse em um orgão vital, será que antes de dar o ultimo suspiro ele diria: Ó Deus...; que nova religião era essa que ele agora dizia ser seguidor? Agnóstico, será alguém que acredita em Deus, mas não gosta de padres?
Trinta anos depois, vi um candidato a Presidente da República perder as eleições, respondeu em rede nacional, quando perguntado se acreditava em Deus, que era Agnóstico. Ele mesmo deu-se um tiro no pé...
sexta-feira, 22 de agosto de 2008
Acorda Rosa
Passarinho que nada deve, ora essa, por acaso eu devo algo, ou a alguem?. Talvez, deva a comida que comi, por todos esses anos, e a passagem que pagaram para ser trazida do interior de São Paulo , para aquela cidade do interior do Nordeste. Ora bolas, bem podiam ter me deixado em um orfanato, lá mesmo em São Paulo.As roupas e calçados que usei em toda minha infância e adolescência foram as usadas e herdadas de minhas primas.
Capítulo II
- Quem matou?
Abro os olhos e fito a estrada reta, parece infindável, ao longe o infinito, estrada e céu parecem se confundirem.
Capitulo III
Chego ao meu destino: a cidade de São Francisco tinha o milagre do emprego, estavam sendo anunciadas em revistas nacionais a construção de uma hidrelétricas. Procuro uma pensão barata.Que coincidência tinha muitas moças hospedadas, vinham de outros estados da federação e até de cidades vizinhas. Todas buscavam o cargo de professora, a empresa pagava bem.
Nos encontrávamos no café da manhã e conversávamos sobre nossas expectativas, e sobre nós mesmas. Eu principalmente, chamava a atenção por ser muito nova, e ainda parecer mais nova do que realmente era, ou talvez pelo semblante reflexivo
- Tens quantos anos ?
- 18 anos.
- Vens de onde?
Rosana, estremece, não quer mentir, construir sua vida sobre mentiras, mas também não suporta mais o olhar de piedade que é lançado sobre si desde a infância . Não quer e não precisa contar que é filha de um uroxida. As pessoas não precisam saber que teve um casamento relâmpago - casou-se enviuvou no mesmo ano...
- Hã, eu vim de Recife... (não menti, omiti a cidadezinha do interior).
Passei no concurso, a empresa ofereceu alojamento, o salário era muito bom mesmo, e ainda tinha participação nos lucros.
- A vida corria tranqüilamente, ensinava de manhã, almoçava no alojamento, fazia a sesta após o almoço, preparava a aula do dia seguinte. Escrevia um pouco no meu diário.
Contou para sua colega Zuleika um pouco sobre si: Meus pais morreram em um acidente automobilístico, quando tinha seis anos, não tenho irmãos, fui criada por minhas tias, cada seis meses mudava de casa, um semestre na casa de Tia Sônia, um semestre na casa de tia Beth...agora que completara dezoito anos estava conseguindo minha independência ..., mas não conta às outras, não gosto de falar do assunto.... Eu sabia que Zuleika não manteria segredo, por isso contei o que me convinha. Acertei. Dia seguinte na hora do café percebi olhares piedosos, prescrutadores, interrogativos, céticos, ou compungidos, nenhum de indiferença... Até a hoteleira me serviu uma fatia extra de bolo de chocolate!
Ainda bem que só contei o que de fato queria que as outras soubessem.